“Essa destilação da experiência da qual brota poesia verdadeira precede pensamento como sonho precede conceito, como sentimento precede ideia, e conhecimento precede entendimento.” (Audre Lorde, A poesia não é um luxo)
A memória não é só ruidosa: ela é, em si, o ruído. É uma série de sobreposições desencadeadas pela limitação em lembrar. Não há possibilidade de, através do exercício da lembrança, reviver do mesmo modo. Acessar a memória que se instaura em lugares escuros do espírito é, antes de qualquer coisa, um exercício de se deixar sentir. Quando o cinema é método analítico descritivo, o solo que recobre estas sementes prestes a germinar torna-se facilmente estéril.
Os filmes que compõem esta sessão não se comprometem com as informações preciosas agora difusas na escureza da História e das histórias, pelo contrário, recordam a partir de estruturas incorpóreas já irreconhecíveis. Parecem já saber que falhariam se quisessem tentar.
Há algo que paira em “cenas de corpo e segredo”, que crepita junto do fogo, assim como evanesce junto à fumaça. Tateamos o cenário junto ao espírito em performance, mas não conseguimos explicar nada. “Ñaka” tece camadas de som e de sonambulismo: sonhar é mais que lembrar embaralhado, mas uma atividade de atenção para abrir trilhas nos buracos do tempo.
Buscar as táticas audiovisuais que deixam cheiros no ar, que causam arrepios inesperados, que dão a sensação de já se ter estado ali/aqui antes, que confundem — aguçam — os sentidos parece uma prática de encontrar um cinema capaz de não se deixar esquecer sem acabar tornando memórias em artefatos sem vida. Não se arquiva o que ainda vibra.